28 de maio de 2012

O Corpo Dos Anjos: CArne DAta VERmem



Nesta sombria análise das cousas,
Corro. Arranco os cadáveres das lousas
E as suas partes podres examino...

Poema Negro

Na anatomia horrenda dos detalhes!

As cismas do Destino





    Ermado Leitor, breve lhe corra estas linhas fatigadas, que seja leve a pesada estrutura e não desgaste o teu ânimo curioso. O melhor, em curto espaço, é generalizar. Não sendo um “historiador” quem vos escreve e contando com pouca extensão economizo a tecla. No entanto, o leitor há de convir, nascem os grandes pensamentos como as estalactites de uma gruta, de lento a lento, ruminados pelo passar dos anos nas variadas cabeças que se permitiram contaminar, e não vêm, do contrário, em uma explosão única de pura e simples criatividade “incorruptível”.
   O ideário que permeia a obra em questão perpassou o século que a anteviu. Com a edificação do Positivismo Comteano (Ver: Lei dos Três Estados) na primeira metade do século XIX e a publicação de A Origem das Espécies, de Charles Darwin, em 1857, o embate entre o pensamento cientifico e religioso firmou-se ainda mais antagônico. Herbert Spencer, em O Indivíduo Contra o Estado (1884), aplica a teoria da seleção natural sobre princípios sociológicos, este processo, posteriormente chamado de darwinismo social, serviria como subsidio para variadas formas de pré-conceito.
    Em 20 de Abril de 1884, nasce no Engenho Pau D'Arco, Vila do Espirito Santo, Paraíba, aquele a quem o Deus-Verme daria encanto. Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos, vulgo Augusto dos Anjos, formou-se em Direito por Recife (1907), retornando a sua cidade natal onde dedicou-se ao ensino. Casou-se e mudou-se para o Rio de Janeiro ao fim da primeira década do novo século. Publica, a expensas do irmão e dois anos após casar-se, seu livro, Eu, recebido em flagelos pela crítica. Transfere-se para Leopoldina, Minas Gerais, em 1914, como diretor do Grupo Escolar, contrai pneumonia e falece a 12 de novembro do mesmo ano.
    A dicotomia que tomou forma declarada durante o século XIX, correspondente ao embate Espirito e Matéria, atravessa a obra do autor, não só no Eu, como também nos outros 39 poemas que compuseram o Outras Poesias e os 67 organizados em tomo sobre o nome de Poemas Esquecidos.
    Leitor, meu caro e distante Leitor, não me cabe mais do oferecido, lugar quase não tenho para estreitar os caracteres tantos que desejam estar entre estes, mas sigamos com a amostra. Deixo-lhes depois uma indicação qualquer para consumar o dito.



VÍTIMA DO DUALISMO

Ser miserável dentre os miseráveis
- Carrego em minhas células sombrias
Antagonismos irreconciliáveis
E as mais opostas idiosincrasias!

Muito mais cedo do que o imagináveis
Eis-vos, minha alma, enfim, dada às bravias
Cóleras dos dualismos implacáveis
E à gula negra das antinomias!

Psique biforme, O Céu e o Inferno absorvo...
Criação a um tempo escura e cor-de-rosa,
Feita dos mais variáveis elementos,

Ceva-se em minha carne, como um corvo,
A simultaneidade ultramonstruosa
De todos os contrastes famulentos!



    Fica a análise pela conta de quem lê e a falta dela pela culpa, ou redenção, de quem escreve. Acredito, pois assim bem vejo, que estampou-se em Vitima do Dualismo, formidavelmente, as colocações expressas no correr do escrito e concluo, ermado meu Leitor, que reside entre estes polos e vermes e sombras o que de melhor se produziu em nossa literatura.



Como curiosidade e forma de mais nutrir:
(http://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/augustodosanjosobras.htm)


* Há de se dizer qualquer coisa sobre o título. “O corpo” representa a matéria e “os anjos”, além de jogar com o sobrenome do autor, simboliza o divino, o espírito. Ao corpo cabe, também, o papel de representar a complexidade estrutural e multi-significativa da obra em questão. A expressão latina Carne Data Vermem originou o vocábulo “Cadáver” em português e traduz-se por CArne DAda aos VERmes.