5 de junho de 2012

As Facetas do Regionalismo



Antes mesmo das discussões do Movimento Modernista, nos idos de 22, promover discussões no que diz respeito ao fazer literário, escritores consagrados pelo cânone acadêmico, no século XIX, já teciam comentários sobre questões relacionadas ao autor e o seu público.

            O exemplo mais pungente que destacamos aqui é o do escritor e crítico Machado de Assis, principalmente porque, entre outras coisas, sua produção ficcional consolidou o campo das letras e se perpetuou até os dias atuais, como o marco de um estilo literário que serve de referência para muitas produções ficcionais.

            Segundo Machado (cuja crítica pode ser analisada em seu célebre texto, “Instinto de nacionalidade”), qualquer que seja o assunto a ser tratado numa obra, de algum modo o romancista deixará transparecer certos traços de seu contexto sócio-cultural, de sua região de origem. De forma alguma, porém, tal característica deve ser vista como sinônimo de defeito ou sintoma negativo, pois, ao contrário, os aspectos referentes à sua região, revelam certa consideração do autor pelo seu ambiente natural, por suas próprias raízes.

            Entretanto, quando nos deparamos com taxações do tipo ‘literatura regionalista’, nos vemos novamente em face das propostas machadianas e, volta e meia nos perguntamos se era esse tipo de regionalismo a que o grande crítico outrora se referia. Afinal, elucidar traços de determinada região do país seria suficiente para identificar determinada prosa ficcional como regionalista? Creio que a noção regional proposta por Machado era algo que buscava ir além.

            Os aspectos relacionados a cenários, ambientes, descrições e detalhes de lugares, mostram-se como fortes aliados na composição de uma ideia de pertencimento do autor com seu contexto natural. Tal recurso se mostra ainda mais significativo quando criado num movimento de abertura da obra para recair no assunto em que ela propriamente focará. O Rio Grande do Sul, por exemplo, é introduzido na mente do leitor para, em seguida, respaldar a história que compõe a narrativa de Incidente em Antares, de Erico Verissimo. No entanto, o espaço gaúcho não é o destaque da obra, mas um adendo à narrativa.

            Por esse viés, podemos supor que muitas das obras tidas como regionais, ou o fizeram inconscientemente, ou desenvolveram artifícios para atrelar o enredo ficcional à história da identidade de sua região. Exemplos disso podem ser encontrados em Dona Flor e seus dois maridos, de Jorge Amado (para citar apenas uma das muitas obras do autor que reconstroem a Bahia, em muitas aspectos sociais e culturais) e João Guimarães Rosa, com sua mineiridade perceptivelmente incorporada em seus contos.

            Mas me refiro também às nuances inconscientes do escritor frente à sua criação, justamente para justificar aqueles casos em que falar de sua própria região não é algo premeditado, simplesmente acontece, como o caso de Rachel de Queiroz. “Mas a ficção funciona assim, você não sai da sua origem, não importa onde você esteja” (QUEIROZ, 1997, p. 36).

            Todas essas facetas do regionalismo implica em reconhecer que seu conceito é problemático e que, talvez, tenha sido muito usado de forma ‘pouco rigorosa’, como conceitua José Hildebrando Dacanal.
           

    Mas se de fato, retornarmos aos conceitos tão antigos, porém jamais ultrapassados, de nosso mestre, Machado de Assis, perceberemos que ser verdadeiramente regionalista é transcender os limites de seu próprio território; é partir dele sim, mas rumo a aspectos fora do espaço; é integrar a obra nos reflexos ideológicos, culturais, da mentalidade de uma determinada época, e explicar-lhe a razão de ser.
            Depois disso, talvez, nossa visão sobre o caráter regionalista se amplie um pouco, e grandes referências literárias como Os Lusíadas, por exemplo, passem a nos fazer mais sentido.  Não quero com isso dizer que toda obra passará a ser regional só porque trata de seu meio; mas realçar que a verdadeira magnitude literária é justamente aquela que em que o autor se faz homem de seu espaço e de seu tempo, sem se ater exclusivamente a eles. Eis Dom Casmurro, para nos comprovar isso.