11 de junho de 2012

Ensaio sobre a lucidez do “Discurso da difamação do poeta” de Affonso Ávila





            O próprio Affonso Ávila (1928 -   ) ao se autoanalisar definiu sua poesia como referencial, que se baseia “no calculo dos efeitos imediatos ou remotos de recursos utilizados para comunicação” e “no arredondamento final do poema como objeto artístico, uno e acabado” (ÁVILA, 2008). A lucidez de sua autocrítica perpassa também sua obra, que utiliza-se até mesmo de ambiguidades propositais, como em Cantaria Barroca, pois o livro lançado em 1975 não se trata apenas de uma simples referência ao Barroco, indo além disso, pois cantaria é o nome de uma pedra que usada na construção da histórica cidade de Ouro Preto.
            Cantaria Barroca é considerado o livro mais “visualista” do poeta, pois as formas como as palavras se compõem nos versos da obra recompõem o desenho das pedras barrocas tão comuns na cidade mineira. Essa lucidez espalha-se em outras obras do autor que ao lado de nomes como Fábio Lucas, Rui Mourão e Fritz Teixeira de Salles, fundou em 1957 a revista Tendência, considerada uma das mais importantes revistas da chamada geração vanguardista, período que vai de 1956 com o Concretismo até 1968 com o seu esgotamento no Tropicalismo.
            Esse período por vezes é esquecido ou pouco comentado nas academias de Estudos Literários, talvez por se tratarem de vanguardas, sempre à margem do “cânone esperado”, ou por estarem apagados pelo brilho da Geração de 45, sempre sustentada pelo “engenheiro das palavras” João Cabral de Melo Neto. O fato é que independente disso, esse período existiu e se dividiu em duas vertentes, sendo uma mais voltada a forma em si, ao visual, onde destacamos o próprio Concretismo e o Poema Processo.
            A segunda vertente dessa vanguarda voltou-se mais para o “aspecto semântico, verbal e escrito do discurso poético” (SANT'ANNA, 1978) onde se destacam a revista Tendência, Praxis e  por fim, o movimento Tropicalista, que encerrou tais vanguardas. Portanto, a poesia de Affonso Ávila é enquadrada nessa segunda “tendência”, mesmo utilizando-se intensamente do visual, como já citado.
            Porém, “Ávila trilhou pelas vanguardas de seu tempo sem filiar-se à elas” (CIRNE, 2012) e ainda soube recolher a síntese e o apelo gráfico tão comum a poesia concretista. O que o fez de forma lucida, mantendo-se híbrido ou concreto quando necessário. Essa “lucidez” é claramente percebida em seu livro O discurso da difamação do poeta, em que o poeta aqui faz vários discursos, até mesmo contrariando a sua autocrítica do texto encerrar-se no texto, sendo realmente um discurso de difamação.
            Composto por onze poemas, o livro lançado em 1978 “fornece ao leitor substanciosas indicações que problematizam a relação discurso artístico/discurso político”. Todos os versos do livro começam da mesma forma, “O poeta...” e todo poema encerra-se com uma frase (em caixa alta) impactante com relação ao poeta.  Todas essas frases são na verdade sentenças da atitude do poeta “O POETA É UM DESEQUILIBRADO MENTAL” ou das atitudes contra o poeta “A ATITUDE DIANTE O POETA É O BOCEJO”.
            O que se vê nos versos é a desconstrução do “poeta” que fulmina na última frase já como um quase caso perdido ou como alguém as margens da sociedade, um plagiário que também é terrorista, um traficante de drogas que ainda está preso ao umbigo da mulher. A lucidez do discurso de Ávila critica até mesmo a tal “alienação” das vanguardas, pois o período era caloroso em relação à questões políticas e sociais no país que via Juscelino Kubitschek transportar a capital da nação para Brasília. Em períodos assim, dizem ser comum os escritores evadirem para uma arte mais voltada para forma, assim como os concretistas fizeram, porém, Affonso Ávila escolheu não apenas reconstituir as ruas de Ouro Preto, mas elevou-se a criar um discurso “contra” o fazer poético.
            Vale ressaltar que o próprio Affonso Ávila foi também influenciado pela geração de 45 (ou simplesmente João Cabral de Melo Neto), mas sua poesia não ficou somente na estrutura de uma crítica social quase inacessível devido as armadilhas da forma, pois o seu “contra-discurso” pode ser observado hoje numa perspectiva diferente, assim como a própria cidade de Brasília, nossa capital, tão vigorosa na forma de seus prédios e principalmente de sua Catedral, mas foi somente a partir da “contra-forma” da Catedral de Brasília que criou-se novos discursos com relação ao templos católicos, da mesma forma fez Ávila, pela forma lúcida, criou novos discursos.

Dois poemas de Affonso Ávila:

O primeiro faz parta da obra Cantaria barroca.
& em cada conto te cont
o & em cada enquanto me enca
nto & em cada arco te a
barco & em cada porta m
e perco & em cada lanço t
e alcanço & em cada escad
a me escapo& em cada pe
dra te prendo & em cada g
rade me escravo & em ca
da sótão te sonho & em cada
esconso me affonso & em
cada cláudio te canto  & e
m cada fosso me enforco&

ARTE DE FURTAR

O poeta declarou que toda criação é tributária de outras
criações no permanente processo de linguagem da poesia

O poeta afirmou que todo criador é tributário de outros no
processo de linguagem da poesia

O poeta se confessou um criador tributário de outros na
linguagem de sua poesia

O poeta não esconde que sua poesia é tributária da linguagem
de outros criadores

O poeta não esconde que sua poesia é influenciada pela
linguagem de outros criadores

O poeta não faz segredo de que se utiliza da linguagem de
outros poetas

O poeta fala abertamente que se apropria da linguagem de
outros poetas

O poeta é um deslavado apropriador de linguagens

O POETA É UM PLAGIÁRIO



Referências:
ÁVILA, Affonso. Homem ao termo: poesia reunida (1949-2005).   Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
CIRNE, Moacy. Disponível em < http://www.antoniomiranda.com.br/ensaios/affonso_avila_ensaio.html> Acesso em 9 de junho de 2012.
SANT'ANNA, Affonso Romano de. In ÁVILA, Affonso. Discurso da difamação do poeta. São Paulo: Summus Editorial , 1978.