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4 de junho de 2012

A Ligeira e Peculiar Arte de Andar nas Ruas do Rio de Janeiro



A realidade de um mundo esquecido é o que Rubem Fonseca traz a tona em A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro, pois nesse extenso conto, o autor ilumina aqueles lugares que as pessoas parecem que fazem questão de esquecer, no caso desse conto, as ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro, palco para mendigos, prostitutas, criminosos e todo o tipo de pessoas que vivem as margens da sociedade, mesmo estando no centro da cidade.

O título do conto é homônimo ao livro que Augusto, o personagem principal da trama, escreve durante a narrativa, anunciando assim o enredo, as andanças dele pelo centro da cidade do Rio de Janeiro. O conto parece um manual, descrevendo com precisão as ruas, citando fatos históricos e curiosidades de diversos lugares que o personagem passa, tornando a atividade de andar no centro da cidade uma verdadeira arte.


Rubem Fonseca começa o conto apresentando Augusto, “andarilho, cujo nome verdadeiro é Epifânio” (FONSECA, 1992, pg. 593), utilizando de um narrador em terceira pessoa, que parece uma câmera que o segue, assim ele detalha como o personagem principal começou a escrever o seu livro e logo no primeiro parágrafo, explica que ele “acredita que ao caminhar pensa melhor” (pg. 593) e que “anda nas ruas o dia inteiro e parte da noite” (pg. 593), o que o torna um artista que faz das ruas o seu palco.

O típico cidadão carioca Augusto tem certas peculiaridades que o torna uma pessoa estranha, como sua obsessão em escrever um livro. Apesar de fazer gestos caridosos, como ensinar prostitutas a ler ou a dar esmolas com valores altos aos moradores de rua, ele tem um tipo não muito sociável, dando atenção somente as pessoas mais bizarras que vivem no centro da cidade, pois acredita que é com elas que ele encontrará as melhores informações para o seu livro.


O gosto por ratos é outra curiosidade notável desse personagem que nos permite compará-lo ao animal, pois ele, assim como os ratos, parece viver próximo do chão, se enfiando em buracos, conhecendo os mais diversos caminhos, se misturando com as mais diversas pessoas que perambulam pelas ruas, pessoas consideradas sujas como mendigos, prostitutas, dentre outros tipos considerados excluídos da sociedade. Mas apesar de conhecer todos os caminhos do centro da cidade, Augusto aparenta um ser perdido, que diz não acreditar em Jesus Cristo, e que não tem nenhuma esperança de solucionar as injustiças que vê.

O conto é repleto de personagens secundários, como prostitutas, mendigos, bêbados e até pastores, que vão sendo caracterizados pelo narrador à medida que vão aparecendo. A idéia parece ser de mostrar um raio-x do que parece ser invisível, pois como já citado, o autor joga luz sobre aspectos sociais que pouco se falam, nos dando uma perspectiva diferente de vários problemas, como analfabetismo, violência, desigualdade social, entre outros. Todos esses personagens representam caricaturas da realidade de uma cidade metropolitana.

Destacando alguns desses personagens, podemos citar a prostituta Kelly, que depois de ser acolhida por Augusto, para que esse a ensinasse a ler, pensa em largar as ruas para tentar um trabalho “honesto”, mas primeiro é necessário que ela arrume um dente que falta, o que demonstra que ela não tem muitos meios e que não tem acesso a serviços básicos de saúde. Benevídes é outro personagem que merece destaque, pois ele é tido como líder de um “clã de catadores de papel” que não aceita ser chamado de mendigo e sua história é uma crítica a realidade política das ruas, pois ele é quem define quem pode e quem não pode catar papel e até mesmo pedir esmola em “sua região”.

Outra crítica no conto aparece com o personagem Raimundo, um pastor da Igreja de Jesus Salvador das Almas, que funciona no mesmo local de um cinema pornô. A crítica se estende além da realidade do espaço urbano, tomado pelo comércio no centro das grandes cidades, mas também revela que algumas igrejas se tornaram um comércio, pois na igreja há até mesmo envelopes diferenciados para os fiéis que doassem em quantias diferentes para demonstrar quem estava doando pouco. E também pelo faro do bispo responsável pela Igreja reclamar com o pastor Raimundo a pouca arrecadação da igreja que funciona num local populoso, o ameaçando trocar de local.

Assim, o andarilho protagonista vai escrevendo suas experiências nas ruas, em meio a essas personagens estranhas e comuns aos centros das capitais brasileiras com o intuito de criar seu livro, mas não como um guia turístico e sim como uma “filosofia e arte” que ajude as pessoas a uma melhor comunhão com a cidade.

Por se tratar de um conto que ilumina, sem dar voz, os excluídos da cidade grande, a temática desse conto é uma crítica social e a urbanidade, apesar dos vários temas que vão se agregando, como a realidade dos excluídos e das diferenças sociais, as transformações do espaço urbano, a politicagem, a vulgaridade e vários complexos do homem moderno, como a falta de princípios dos religiosos, o vandalismo dos pichadores, o egoísmo e a malandragem das pessoas que transitam pelas cidades nos permite dizer que no texto de Rubem Fonseca ocorre pelo menos dois mapeamentos, o da própria cidade do Rio de Janeiro, com suas ruas e praças e também das pessoas excluídas, marginalizadas, figuras do centro da cidade, que aparentemente são invisíveis, como os ratos, que só aparecem quando a luz de apaga.

 O conto, que faz não somente um mapeamento das ruas do Rio de Janeiro, mas também das pessoas a margem da sociedade, é uma denúncia a realidade de uma capital brasileira. Esse conto aborda não somente problemas sociais como educação, saúde e segurança, mas também problemas voltados às políticas de urbanização e também ao desprezo histórico-cultural, pois o autor denuncia no conto não somente o esquecimento do contexto histórico das ruas do centro, mas também o desprezo pela arquitetura das casas antigas esquecidas, isso quando não são destruídas para dar lugar a novas construções, apagando assim à história e a cultura não somente carioca, mas de todo povo brasileiro.


REFERÊNCIAS
FONSECA, R. A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro. In: Romance Negro e outras histórias. São Paulo, Companhia das Letras, 1992

28 de maio de 2012

O Corpo Dos Anjos: CArne DAta VERmem



Nesta sombria análise das cousas,
Corro. Arranco os cadáveres das lousas
E as suas partes podres examino...

Poema Negro

Na anatomia horrenda dos detalhes!

As cismas do Destino





    Ermado Leitor, breve lhe corra estas linhas fatigadas, que seja leve a pesada estrutura e não desgaste o teu ânimo curioso. O melhor, em curto espaço, é generalizar. Não sendo um “historiador” quem vos escreve e contando com pouca extensão economizo a tecla. No entanto, o leitor há de convir, nascem os grandes pensamentos como as estalactites de uma gruta, de lento a lento, ruminados pelo passar dos anos nas variadas cabeças que se permitiram contaminar, e não vêm, do contrário, em uma explosão única de pura e simples criatividade “incorruptível”.
   O ideário que permeia a obra em questão perpassou o século que a anteviu. Com a edificação do Positivismo Comteano (Ver: Lei dos Três Estados) na primeira metade do século XIX e a publicação de A Origem das Espécies, de Charles Darwin, em 1857, o embate entre o pensamento cientifico e religioso firmou-se ainda mais antagônico. Herbert Spencer, em O Indivíduo Contra o Estado (1884), aplica a teoria da seleção natural sobre princípios sociológicos, este processo, posteriormente chamado de darwinismo social, serviria como subsidio para variadas formas de pré-conceito.
    Em 20 de Abril de 1884, nasce no Engenho Pau D'Arco, Vila do Espirito Santo, Paraíba, aquele a quem o Deus-Verme daria encanto. Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos, vulgo Augusto dos Anjos, formou-se em Direito por Recife (1907), retornando a sua cidade natal onde dedicou-se ao ensino. Casou-se e mudou-se para o Rio de Janeiro ao fim da primeira década do novo século. Publica, a expensas do irmão e dois anos após casar-se, seu livro, Eu, recebido em flagelos pela crítica. Transfere-se para Leopoldina, Minas Gerais, em 1914, como diretor do Grupo Escolar, contrai pneumonia e falece a 12 de novembro do mesmo ano.
    A dicotomia que tomou forma declarada durante o século XIX, correspondente ao embate Espirito e Matéria, atravessa a obra do autor, não só no Eu, como também nos outros 39 poemas que compuseram o Outras Poesias e os 67 organizados em tomo sobre o nome de Poemas Esquecidos.
    Leitor, meu caro e distante Leitor, não me cabe mais do oferecido, lugar quase não tenho para estreitar os caracteres tantos que desejam estar entre estes, mas sigamos com a amostra. Deixo-lhes depois uma indicação qualquer para consumar o dito.



VÍTIMA DO DUALISMO

Ser miserável dentre os miseráveis
- Carrego em minhas células sombrias
Antagonismos irreconciliáveis
E as mais opostas idiosincrasias!

Muito mais cedo do que o imagináveis
Eis-vos, minha alma, enfim, dada às bravias
Cóleras dos dualismos implacáveis
E à gula negra das antinomias!

Psique biforme, O Céu e o Inferno absorvo...
Criação a um tempo escura e cor-de-rosa,
Feita dos mais variáveis elementos,

Ceva-se em minha carne, como um corvo,
A simultaneidade ultramonstruosa
De todos os contrastes famulentos!



    Fica a análise pela conta de quem lê e a falta dela pela culpa, ou redenção, de quem escreve. Acredito, pois assim bem vejo, que estampou-se em Vitima do Dualismo, formidavelmente, as colocações expressas no correr do escrito e concluo, ermado meu Leitor, que reside entre estes polos e vermes e sombras o que de melhor se produziu em nossa literatura.



Como curiosidade e forma de mais nutrir:
(http://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/augustodosanjosobras.htm)


* Há de se dizer qualquer coisa sobre o título. “O corpo” representa a matéria e “os anjos”, além de jogar com o sobrenome do autor, simboliza o divino, o espírito. Ao corpo cabe, também, o papel de representar a complexidade estrutural e multi-significativa da obra em questão. A expressão latina Carne Data Vermem originou o vocábulo “Cadáver” em português e traduz-se por CArne DAda aos VERmes.