A realidade de um mundo
esquecido é o que Rubem Fonseca traz a tona em A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro, pois nesse extenso
conto, o autor ilumina aqueles lugares que as pessoas parecem que fazem questão
de esquecer, no caso desse conto, as ruas do centro da cidade do Rio de
Janeiro, palco para mendigos, prostitutas, criminosos e todo o tipo de pessoas
que vivem as margens da sociedade, mesmo estando no centro da cidade.
O título do conto é
homônimo ao livro que Augusto, o personagem principal da trama, escreve durante
a narrativa, anunciando assim o enredo, as andanças dele pelo centro da cidade
do Rio de Janeiro. O conto parece um manual, descrevendo com precisão as ruas,
citando fatos históricos e curiosidades de diversos lugares que o personagem passa,
tornando a atividade de andar no centro da cidade uma verdadeira arte.
Rubem Fonseca começa o
conto apresentando Augusto, “andarilho, cujo nome verdadeiro é Epifânio”
(FONSECA, 1992, pg. 593), utilizando de um narrador em terceira pessoa, que
parece uma câmera que o segue, assim ele detalha como o personagem principal começou
a escrever o seu livro e logo no primeiro parágrafo, explica que ele “acredita
que ao caminhar pensa melhor” (pg. 593) e que “anda nas ruas o dia inteiro e
parte da noite” (pg. 593), o que o torna um artista que faz das ruas o seu
palco.
O típico cidadão
carioca Augusto tem certas peculiaridades que o torna uma pessoa estranha, como
sua obsessão em escrever um livro. Apesar de fazer gestos caridosos, como
ensinar prostitutas a ler ou a dar esmolas com valores altos aos moradores de
rua, ele tem um tipo não muito sociável, dando atenção somente as pessoas mais
bizarras que vivem no centro da cidade, pois acredita que é com elas que ele
encontrará as melhores informações para o seu livro.
O gosto por ratos é
outra curiosidade notável desse personagem que nos permite compará-lo ao animal,
pois ele, assim como os ratos, parece viver próximo do chão, se enfiando em
buracos, conhecendo os mais diversos caminhos, se misturando com as mais
diversas pessoas que perambulam pelas ruas, pessoas consideradas sujas como
mendigos, prostitutas, dentre outros tipos considerados excluídos da sociedade.
Mas apesar de conhecer todos os caminhos do centro da cidade, Augusto aparenta
um ser perdido, que diz não acreditar em Jesus Cristo, e que não tem nenhuma
esperança de solucionar as injustiças que vê.
O conto é repleto de
personagens secundários, como prostitutas, mendigos, bêbados e até pastores,
que vão sendo caracterizados pelo narrador à medida que vão aparecendo. A idéia
parece ser de mostrar um raio-x do que parece ser invisível, pois como já
citado, o autor joga luz sobre aspectos sociais que pouco se falam, nos dando
uma perspectiva diferente de vários problemas, como analfabetismo, violência,
desigualdade social, entre outros. Todos esses personagens representam
caricaturas da realidade de uma cidade metropolitana.
Destacando alguns
desses personagens, podemos citar a prostituta Kelly, que depois de ser acolhida por Augusto, para que esse a
ensinasse a ler, pensa em largar as ruas para tentar um trabalho “honesto”, mas
primeiro é necessário que ela arrume um dente que falta, o que demonstra que
ela não tem muitos meios e que não tem acesso a serviços básicos de saúde. Benevídes é outro personagem que merece
destaque, pois ele é tido como líder de um “clã de catadores de papel” que não
aceita ser chamado de mendigo e sua história é uma crítica a realidade política
das ruas, pois ele é quem define quem pode e quem não pode catar papel e até
mesmo pedir esmola em “sua região”.
Outra crítica no conto
aparece com o personagem Raimundo, um
pastor da Igreja de Jesus Salvador das Almas, que funciona no mesmo local de um
cinema pornô. A crítica se estende além da realidade do espaço urbano, tomado
pelo comércio no centro das grandes cidades, mas também revela que algumas igrejas
se tornaram um comércio, pois na igreja há até mesmo envelopes diferenciados
para os fiéis que doassem em quantias diferentes para demonstrar quem estava
doando pouco. E também pelo faro do bispo responsável pela Igreja reclamar com
o pastor Raimundo a pouca arrecadação
da igreja que funciona num local populoso, o ameaçando trocar de local.
Assim, o andarilho
protagonista vai escrevendo suas experiências nas ruas, em meio a essas
personagens estranhas e comuns aos centros das capitais brasileiras com o
intuito de criar seu livro, mas não como um guia turístico e sim como uma
“filosofia e arte” que ajude as pessoas a uma melhor comunhão com a cidade.
Por se tratar de um
conto que ilumina, sem dar voz, os excluídos da cidade grande, a temática desse
conto é uma crítica social e a urbanidade, apesar dos vários temas que vão se
agregando, como a realidade dos excluídos e das diferenças sociais, as
transformações do espaço urbano, a politicagem, a vulgaridade e vários
complexos do homem moderno, como a falta de princípios dos religiosos, o
vandalismo dos pichadores, o egoísmo e a malandragem das pessoas que transitam
pelas cidades nos permite dizer que no texto de Rubem Fonseca ocorre pelo menos
dois mapeamentos, o da própria cidade do Rio de Janeiro, com suas ruas e praças
e também das pessoas excluídas, marginalizadas, figuras do centro da cidade,
que aparentemente são invisíveis, como os ratos, que só aparecem quando a luz
de apaga.
O conto, que faz não somente um mapeamento das
ruas do Rio de Janeiro, mas também das pessoas a margem da sociedade, é uma
denúncia a realidade de uma capital brasileira. Esse conto aborda não somente
problemas sociais como educação, saúde e segurança, mas também problemas
voltados às políticas de urbanização e também ao desprezo histórico-cultural,
pois o autor denuncia no conto não somente o esquecimento do contexto histórico
das ruas do centro, mas também o desprezo pela arquitetura das casas antigas
esquecidas, isso quando não são destruídas para dar lugar a novas construções,
apagando assim à história e a cultura não somente carioca, mas de todo povo
brasileiro.
FONSECA, R. A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro. In: Romance Negro e outras histórias. São Paulo, Companhia das Letras, 1992