O próprio Affonso Ávila (1928 - ) ao se autoanalisar definiu sua poesia como
referencial, que se baseia “no calculo dos efeitos imediatos ou remotos de
recursos utilizados para comunicação” e “no arredondamento final do poema como
objeto artístico, uno e acabado” (ÁVILA, 2008). A lucidez de sua autocrítica
perpassa também sua obra, que utiliza-se até mesmo de ambiguidades propositais,
como em Cantaria Barroca, pois o livro lançado em 1975 não se trata
apenas de uma simples referência ao Barroco, indo além disso, pois cantaria é
o nome de uma pedra que usada na construção da histórica cidade de Ouro Preto.

Esse período por vezes é
esquecido ou pouco comentado nas academias de Estudos Literários, talvez por se
tratarem de vanguardas, sempre à margem do “cânone esperado”, ou por estarem
apagados pelo brilho da Geração de 45, sempre sustentada pelo “engenheiro das
palavras” João Cabral de Melo Neto. O fato é que independente disso, esse
período existiu e se dividiu em duas vertentes, sendo uma mais voltada a forma
em si, ao visual, onde destacamos o próprio Concretismo e o Poema
Processo.
A segunda vertente dessa
vanguarda voltou-se mais para o “aspecto semântico, verbal e escrito do
discurso poético” (SANT'ANNA, 1978) onde se destacam a revista Tendência,
Praxis e por fim, o movimento Tropicalista,
que encerrou tais vanguardas. Portanto, a poesia de Affonso Ávila é
enquadrada nessa segunda “tendência”, mesmo utilizando-se intensamente do
visual, como já citado.
Porém, “Ávila trilhou pelas
vanguardas de seu tempo sem filiar-se à elas” (CIRNE, 2012) e ainda soube
recolher a síntese e o apelo gráfico tão comum a poesia concretista. O que o
fez de forma lucida, mantendo-se híbrido ou concreto quando necessário. Essa
“lucidez” é claramente percebida em seu livro O discurso da difamação do
poeta, em que o poeta aqui faz vários discursos, até mesmo contrariando a
sua autocrítica do texto encerrar-se no texto, sendo realmente um discurso de
difamação.

O que se vê nos versos é a
desconstrução do “poeta” que fulmina na última frase já como um quase caso
perdido ou como alguém as margens da sociedade, um plagiário que também é
terrorista, um traficante de drogas que ainda está preso ao umbigo da mulher. A
lucidez do discurso de Ávila critica até mesmo a tal “alienação” das
vanguardas, pois o período era caloroso em relação à questões políticas e
sociais no país que via Juscelino Kubitschek transportar a capital da nação
para Brasília. Em períodos assim, dizem ser comum os escritores evadirem para
uma arte mais voltada para forma, assim como os concretistas fizeram, porém,
Affonso Ávila escolheu não apenas reconstituir as ruas de Ouro Preto, mas
elevou-se a criar um discurso “contra” o fazer poético.
Vale ressaltar que o próprio Affonso
Ávila foi também influenciado pela geração de 45 (ou simplesmente João Cabral
de Melo Neto), mas sua poesia não ficou somente na estrutura de uma crítica
social quase inacessível devido as armadilhas da forma, pois o seu
“contra-discurso” pode ser observado hoje numa perspectiva diferente, assim
como a própria cidade de Brasília, nossa capital, tão vigorosa na forma de seus
prédios e principalmente de sua Catedral, mas foi somente a partir da
“contra-forma” da Catedral de Brasília que criou-se novos discursos com relação
ao templos católicos, da mesma forma fez Ávila, pela forma lúcida, criou novos discursos.
Dois poemas
de Affonso Ávila:
O primeiro
faz parta da obra Cantaria barroca.
& em cada
conto te cont
o & em
cada enquanto me enca
nto & em
cada arco te a
barco &
em cada porta m
e perco &
em cada lanço t
e alcanço
& em cada escad
a me
escapo& em cada pe
dra te prendo
& em cada g
rade me
escravo & em ca
da sótão te
sonho & em cada
esconso me
affonso & em
cada cláudio
te canto & e
m cada fosso
me enforco&
ARTE DE
FURTAR
O poeta
declarou que toda criação é tributária de outras
criações no
permanente processo de linguagem da poesia
O poeta
afirmou que todo criador é tributário de outros no
processo de
linguagem da poesia
O poeta se
confessou um criador tributário de outros na
linguagem de
sua poesia
O poeta não
esconde que sua poesia é tributária da linguagem
de outros
criadores
O poeta não
esconde que sua poesia é influenciada pela
linguagem de
outros criadores
O poeta não
faz segredo de que se utiliza da linguagem de
outros poetas
O poeta fala
abertamente que se apropria da linguagem de
outros poetas
O poeta é um
deslavado apropriador de linguagens
O POETA É UM
PLAGIÁRIO
Referências:
ÁVILA,
Affonso. Homem ao termo: poesia reunida (1949-2005). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
CIRNE,
Moacy. Disponível em < http://www.antoniomiranda.com.br/ensaios/affonso_avila_ensaio.html>
Acesso em 9 de junho de 2012.
SANT'ANNA,
Affonso Romano de. In ÁVILA, Affonso. Discurso
da difamação do poeta. São
Paulo: Summus Editorial , 1978.